ACEITAÇÃO – PROCESSO Nº1

Dois mil e vinte começou extremamente incrível. Era janeiro e consegui passar as férias do sonho, na casa de praia com a família reunida (que benção)!
Consegui aproveitar todos os dias bem juntinha do meu pai, desde o café da manhã até a madrugada de filmes e risadas na piscina (que alegria)!
Eu agradecia todas às horas do dia por aquele momento… o mesmo que não tinha há anos na minha casa. Era a melhor sensação de gratidão pela vida de cada um ali. Muitos sentimentos misturados — todo de uma felicidade inacreditável (parecido com uma criança e seu brinquedo novo).
Os dias passando e já era hora de retornar. Com muita gratidão, fechei as portas de casa, entrei no carro, liguei na playlist favorita e seguimos estrada rumo à São Paulo (2h do litoral). A paisagem era encantadora, ar puro, céu azul com os raios do sol ultrapassando o vidro do carro e um arco-íris com as cores mais radiantes que alguém poderia ver (até mesmo sentir).
O dia a dia cobrando e o trabalho aumentando (graças), vez ou outra conseguia marcar de tomar aquela cervejinha com os amigos da faculdade. E por falar em faculdade, comecei outra. Gradualmente tudo foi se tornando real e verdadeiro (até gosto da rotina do trabalho).
Uma bela noite, meu pai ao chegar em casa por volta das 19h disse não estar se sentindo muito bem. Resolvi muito depressa seguir para o hospital. Ele deitado no banco traseiro, pedindo calma sem muito poder falar (preocupação).
Chegando no hospital encaminhado às pressas para o soro, logo vejo uma movimentação estranha entre os médicos para conseguir avaliar o estado de saúde do meu pai (até entendo, na ficha já mostrada um quadro de problemas bem grave, que a gente nem tinha noção). Uma moça de mais ou menos 1,50, olhos puxados (oriental) e de uma meiguice inacreditável, foi chegando cada vez mais perto e dizendo que seria necessário encaminhá-lo o mais rápido possível para um endocrinologista e um gastroenterologista, pois os rins e o fígado tinha alguma alteração não identificada com exames simples.
Na manhã seguinte, liguei para o médico da família e marquei uma consulta. Confesso que sou uma pessoa muito ansiosa quando o assunto é saúde. Achamos que talvez fosse dito sobre a úlcera já diagnosticada no ano de 1990 (a bendita estava dando sinal?).., pois não, fruto do nosso engano.
Depois de muito exames (não que fosse necessário para um diagnóstico preciso — o médico já sabia à deficiência que tinha na região), e para a nossa surpresa meu pai foi diagnosticado com câncer de fígado e pâncreas (estágio avançado, infelizmente). Mesmo assim, não perdemos o rumo, procuramos o oncologista da mesma indicação do médico.
Ao entrar na recepção da oncologia, um susto e uma angústia. É muito diferente de tudo que já tinha visto, ali tinha de tudo — crianças, jovens, adultos e pessoas de idade… que baque. Eu falo assim, pois eu nunca tive contato tão de perto. Fiquei constrangida perante as crianças, adolescentes, jovem e senhoras que ali estava. Comecei a sentir incomodo… até prendi os meus cabelos com um coque, como se fosse para diminuir os olhares (e a minha dor por estar de forma diferente delas). É um absurdo? … Talvez
Escutei chamar o nome do meu pai. Um rapaz de mais ou menos 37/38 anos, loiro e com o cabelo cortado na maquina bem curto, usando uma máscara (devido ao COVID). Naquele momento tive a melhor sensação – MEU PAI CHEGOU AQUI, E VAI CONSEGUIR FAZER O TRATAMENTO. QUE ALEGRIA!
Conversa vai e vem, conseguimos chegar no entendimento possível de como seria toda a jornada do tratamento de 6 meses. Palavras de conforto, esperança e fé. Fiquei muito feliz, vi ali um tratamento de muita eficiência e comprometimento, dúvidas esclarecidas, medos e angustias no nível controlado. Então foi passado outra bateria de exames para dar início ao tratamento… saímos de lá muitíssimos satisfeitos. 22 de junho, data escolhida pelo médico.
Os dias foi passando, a data se aproximando… não consegui dormir naquela semana. Eu estava com medo e, ao mesmo tempo, queria ver meu pai bem. Finalmente o grande dia chegou e mais uma vez eu ali, no consultório rodeada de pessoas, esperando a sua vez para entrar no quarto e fazer a aplicação. Logo em seguida a enfermeira chamou e começou a escolher o braço que melhor estava pronto para receber o tratamento… Naquele momento eu pensei: DEUS SEJA LOUVADO! Até ali, não vi medo no meu pai, apenas um olhar de esperança e de muita garra… por pior que seja: FOI LINDO VER NOS OLHOS DELE TANTA FORÇA, meu coração ficou cheio de gratidão mais uma vez.
Depois de três horas liberados para casa. No caminho fiz uma série de perguntas (dói? Sente alguma coisa? Qual a sensação?), e ele dizia que não sentiu nada apenas sono (e muito). A RECUSA – o segundo choque do dia, meu pai recusando alimento… aquilo acabou comigo. Eu sabia do processo, só não imaginei que seria tão rápido mais uma vez. 3 dias sem comer absolutamente nada. A melhora começava no 4º dia, para a minha alegria e gratidão ele começava a aceitar de tudo um pouco e com muito esforço (era tudo que eu queria). Ali eu tinha a plena certeza do quanto ele era forte, pois passar por uma situação assim não é fácil ainda mais uma pessoa forte, que o peso normal era de 78kg… e ver a transformação dos dias (em poucos dias 64kg). Os dias foi passando, e eu perguntava como ele estava se sentindo e ele muito forte, sempre respondendo que muito bem (apesar de tudo). Meu coração ficava feliz e grato, mesmo sabendo que aparentemente ele já estava diferente. Na semana seguinte, partimos para fazer o hemograma e percebi que com a chegada dos exames (coisa de 3h), as plaquetas já não estava no nível normal. Mais uma vez eu comecei a perceber que a pessoa forte, estava bem debilitada. O seu sistema imunológico já não era o mesmo. Mesmo assim, eu estava forte para tentar conseguir deixar ele forte (pelo menos com palavras de apoio e carinho), e conseguir fazer a próxima aplicação. Pode até ser egoísmo, eu ficava feliz a cada aplicação mesmo sabendo que ele voltaria ruim (eu só queria acreditar que ele ia conseguir ficar bem). Na semana seguinte partimos para mais uma aplicação. Ele acordou cedinho, tomou seu banho, escolheu a sua roupa favorita (calça jeans e uma polo azul-marinho com detalhes em preto), o seu sapato Vulcabras (sim, meu pai é cheio das manias). Eu estava feliz, contente por mais uma aplicação e meu coração radiante — uma maneira de acreditar que ele ia conseguir ficar bem (cura?)…eu mais uma vez de cabelo preso, sentada bem constrangida, falando bem pouco e com os olhos fixos na parede branca (uma sensação absurda de ruim). Depois de poucos minutos sentados, a enfermeira chamou para o box de aplicação e no mesmo minuto, meu pai olhou contente com o seu caminhar de maneira rápida e ligeira. Foi logo deitando na cama, mostrando o braço de sua preferência (eita coragem). Naquele minuto eu pensei o quanto eu o amava e não era pelas coisas do dia a dia, e sim pela sua força… que se eu fosse um único dedinho bem pequeno igual a ele, eu já ficaria muito feliz. Agora era esperar por mais ou menos 3 horas… Que bênção! A espera mais gratificante da minha vida… ali eu ficava olhando e pedindo a DEUS, que colocasse suas mãos sobre a vida do meu pai. Agradecia a oportunidade de tratamento, de conseguir acompanhar o processo, ver todas as mudanças e tentar um pouquinho dar motivos de esperança naquela hora. Meu pai naquele dia, já não conseguiu almoçar dentro do hospital. Disse que estava enjoado, eu entendi. Por volta das 15h (a aplicação começava as 11 da manhã), já era hora de voltar para casa (graças). Minha mãe com toda delicadeza, foi andando e amparando com todo amor e carinho até o carro (sim, ele ainda andava). Bem cansado deitou no banco traseiro, seguimos em silêncio até chegar em casa. Eu naquele momento, por ver uma dificuldade aparente não conseguia diferenciar a fraqueza da carne e da mente (primeiro surto interno). Abri a porta de casa, segurei o SOMBRA (CACHORRO LHASA APSO DO MEU PAI. O FILHO CAÇULA) e meu pai foi logo deitando no sofá, dizendo que precisa descansar e queria que o sombra ficasse com ele. Respeitei. Ele dormiu ali mesmo, no sofá por horas. Minha mão muito cansada, subiu para o quarto também para fazer o mesmo… e eu fiquei olhando o meu pai durante 6h. Eu estava com medo de algo acontecer, e eu não estar por perto. Apenas agradeci mais uma vez, ele estava em casa e na medida do possível bem para seguir com o tratamento. Ele tinha mais uma semana para se recuperar e fazer outro hemograma. Uma semana depois, outro exame e outro choque (eu sei, não tinha que ser novidade) as plaquetas pior ficou… que desespero. Liguei as pressas para o médico e enviei o resultado. Esperei 15 minutos ele olhar tudo e dizer que meu pai precisava afastar à próxima aplicação. Naquele momento, eu pensei que aquilo não tinha que acontecendo (que droga, eu só queria que tudo fosse bem). Contei para meu pai. Ele bem chateado concordou e prometeu fazer uma ótima alimentação durante os 15 dias. Combinou e fez certinho (que orgulho). No 16º dia outro exame e para a nossa alegria, o resultado veio muito gratificante. Deus naquele momento devolveu a nossa alegria de acreditar no amanhã! A terceira aplicação foi marcada para 3 dias após os exames (graças), e agora era mais um motivo para acreditar e saber que problemas do tipo seria “normal” (assim disse o dr). Sempre antes de cada aplicação, meu pai passava na consulta com o oncologista. Ele via a garra e luta do meu pai, e mesmo querendo dizer ao contrário acabava sempre concordando em fazer a aplicação conforme a vontade do meu pai (e sempre lembrando que ele tinha grandes chances de ficar bem)… entretanto dependia realmente do estado físico e mental do paciente (não só do meu pai, como de todos). E lá foi meu pai, no mesmo dia para outra aplicação (graças). Mais 3h e uma bolsinha de plaquetas, para garantir à próxima aplicação. O mesmo procedimento das outras vezes. Passar o dia todo no hospital, retornar para casa, receber lambidas do cachorro e tentar comer alguma coisa. Por volta das 20h, meu pai teve a vontade de comer uma pizza (light, sem queijo ou qualquer tipo de mistura. Ele não estava proibido de comer nada)… ligamos para a pizzaria (amigos nossos), e explicamos a situação e 45 minutos depois, a pizza chegou. Servi uma fatia bem pequena, pelo menos para experimentar e ver se estava do agrado. Ele comeu com tanto gosto, que eu não pensei que 20 minutos depois ele sairia da mesa e sentaria no chão do banheiro… e ali começava mais uma saga de efeitos da quimioterapia. Colocava tudo para fora (até aquilo que nem tinha dentro dele — só água). Ele após colocar tudo para fora, deitou no chão pedindo para ficar ali. Meu coração doeu muito. Eu estava vendo mais uma vez ele sem forças para fazer qualquer movimento. Peguei a sua almofada favorita, coloquei no chão do banheiro e deitei junto dele. Abracei e disse que só iria sair de lá, com ele nos meus braços. Ficamos cerca de 2h deitados e eu escondia a minha imensa vontade chorar. Eu precisava passar força. Acredito que nada na vida marcou tanto… Doeu.

Na quarta aplicação com uma distância de 20 dias, outra surpresa.
Meu pai não conseguia parar em pé. Com toda certeza, era as plaquetas novamente e os efeitos ainda da quimioterapia no seu corpo já tão magro — debilitado. Corremos de madrugada para o hospital, ele estava com uma cor amarelada e muita dor. Dor essa que causaria enjoos e grande quantidade de vômito. Agora outra vez, remédio para cortar todos os efeitos colaterais retardatários… e cada vez mais difícil, mesmo assim ele não queria desistir. Ele estava visivelmente frágil, confuso e com dores. Ficamos no hospital até o dia seguinte a sua melhora. Melhora essa que era até a próxima aplicação. Novamente lá se vai mais 20 dias em casa, até a próxima consulta para uma reavaliação do oncologista. Eu nesse meio tempo, tentei contato por diversas vezes com o oncologista na tentativa de ter uma resposta que explicasse tudo isso. É muito difícil ser filha num momento assim. Toda dor e dificuldade eu gostaria que fosse transferida para o meu corpo. Eu aguentaria por ele. A cada telefona, eu tinha a sensação de que nada estava fazendo sentido. Por vezes julguei a forma dele dar notícias, afinal, ele é o médico da situação… Se Deus desse ouvidos a tudo que falei ou até mesmo desejei, talvez precisasse de mil Ave-maria e mais dez Pai Nosso.

Meu pai ficou uma semana na UTI, devido as complicações que o resultado da quimioterapia não tão bem sucedida assim provocou. Fez um mês agora dia 18 que ele saiu da UTI, e 20 dias que retornou para casa. Agora os problemas tomou uma proporção muito maior.

Na sexta-feira, dia 9/10/2020, às 11horas estava eu e meu irmão no consultório do oncologista para abrir o exame que ele necessariamente precisava fazer após 5 ou 6 aplicação. Eu tinha fé apesar de tudo. Meu coração estava grato e confiante. Infelizmente a quimioterapia não conseguiu alcançar o objetivo proposto. Meu pai já não tem mais o fígado, e agora perdendo o pâncreas.

Voltamos para casa e contamos à notícia para minha mãe. Desde aquele dia, nós conseguimos tirar forças que só Deus pode dar. Meu pai na madrugada de terça(13 para o dia 14), começou a não conseguir dormir por conta de um desconforto e percebemos que não estava falando coisa com coisa. Sim, é a substância que o pâncreas dele solta. Imediatamente na madrugada, levamos para o hospital. Médico pediu a internação, e agora ele permanecerá lá até o dia partida. Desde aquele dia volto para casa depois de 24h, assim consigo fazer algumas coisas (inclusive escrever aqui). Vamos revezando entre nós 3 (mamãe, meu irmão e eu). Ele já não está tão lúcido.

Chorei por desespero ontem em ver recusar comida. Já não come. Só dorme com morfina – dores de estômago (muito provável o câncer deve estar alojado na região também).

“Se ainda respiro, então posso lutar…” (frase de quando ele ainda conseguia respirar sem ajuda de oxigênio)

APENAS UMA FILHA TENTANDO SALVAR O SEU PAI… APENAS.

ACEITAÇÃO – PROCESSO NUMERO 1 – QUANDO ACEITEI E ACREDITEI NA POSSIBILIDADE DE CURA PARA O MEU PORTO SEGURO (PAI).